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Dependências Modernas


A tecnologia invadiu nossas vidas de tal modo que não é mais um desejo, é uma necessidade. E, em alguns casos, um vício. O PC faz tanta companhia a você que já pensou em incluí-lo na lista de herdeiros? Seu filho ama tanto seu tablet que usa o poodle para limpar a tela? Sua esposa plastificou o celular para poder usá-lo debaixo do chuveiro? Exageros e brincadeiras à parte, é bom tomar cuidado. Veja, a seguir, as respostas a cinco perguntas fundamentais que fizemos a Luciana Akel, Psicóloga Clínica Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental. 



1) Basicamente, o que leva alguém a se tornar um dependente tecnológico? 

A tecnologia traz comodidade e imediatismo. Eu posso estar dentro da minha casa e criar a realidade que eu quiser. Se o jogo está ruim, eu troco; se estou perdendo, eu desligo. Dessa maneira, eu não preciso lidar com frustrações. Eu posso ser quem eu quiser em uma rede social, por exemplo. Se eu tiver dificuldades ou mesmo não conseguir fazer amigos na escola, na internet eu posso formar inúmeros relacionamentos virtuais. Existem muitos reforçadores no meio tecnológico. No mundo digital, as pessoas podem se esquivar das frustrações em poucos segundos. Portanto, não é difícil tornar-se viciado por esses reforçadores. É como uma droga. As pessoas não pensam nos malefícios e, quando se dão conta, já estão dependentes e usando compulsivamente. Em geral, as dependências também são desenvolvidas como uma maneira de lidar com dificuldades e/ou faltas, conscientes ou inconscientes. E o motivo do vício acaba servindo como uma válvula de escape dessas dificuldades. O que não resolve o problema efetivamente, pelo contrário, só agrava.

2) Quais os indícios de que alguém está viciado em tecnologia? 

Geralmente, as pessoas próximas começam a sinalizar e a reclamar do uso excessivo, da falta de convivência e participação nos grupos. Há um isolamento social, a pessoa deixa de conviver com a família, com os amigos, deixa de participar de eventos sociais. Deixa de realizar as tarefas do cotidiano, não se alimenta de maneira adequada e no momento correto. Começa a apresentar distúrbios de sono, troca a noite pelo dia, dorme tarde demais, dorme pouco.

3) Quais os efeitos colaterais da dependência e suas consequências?

O principal é o isolamento social, perda de vínculos sociais sólidos, surgindo distúrbios de sono, obesidade, ansiedade, depressão, dificuldade de lidar com a frustração, problemas posturais e de aprendizagem. 

4) Há tratamento? 

Sim. Infelizmente o problema do vício tecnológico ainda é pouco levado a sério no Brasil, não se tem muitos estudos e tampouco muitos profissionais na área. Podemos pensar em psicoterapia como tratamento. Como mencionei anteriormente, um grande fator influente em qualquer tipo de dependência é a falta de habilidade para se lidar com certas dificuldades e tensões. Desta forma, o prazer é buscado de uma maneira mais cômoda e rápida, como uma fuga em busca do conforto, como uma maneira de compensar alguma falta. Portanto, abordar essas dificuldades com o intuito de ampliar o repertório comportamental do indivíduo, a resolução de problemas e a reestruturação cognitiva, é um dos efetivos caminhos de tratamento. Podemos considerar o tratamento medicamentoso combinado com a psicoterapia em determinados casos. A medicação se faz necessária no tratamento da ansiedade, da depressão ou de qualquer tipo de transtorno desencadeante, mantenedor ou consequente do uso excessivo da tecnologia. Na Ásia, por exemplo, existem clínicas de desintoxicação do vício tecnológico que usam os mesmos critérios adotados nas clínicas para desintoxicação de dependência química.




5) Como se prevenir e evitar a dependência? 

É preciso reorganizar, redimensionar a maneira com que se faz uso da tecnologia. Aprender de novo a usar. Orientar escolas e pais sobre o uso saudável da tecnologia. O tempo deve ser controlado e monitorado, as regras e os acordos são muito importantes e devem ser levados a sério. É importante também equilibrar o tempo de uso com as demais atividades. E que a família tenha convívio social e atividades que envolvam as crianças e adolescentes. O esporte é muito importante, promove a convivência e o desenvolvimento infantil e na puberdade. Aliás, a atividade física é fundamental para todas as faixas etárias. Outras tarefas e atividades devem ser estimuladas, como andar de bicicleta, passear no parque, no zoológico, enfim, qualquer programa de entretenimento que não seja em um ambiente fechado e isolado. 

É essencial brincar, conviver, cair, levantar, pular, ver coisas. Nosso corpo foi feito para se movimentar e não para ficar parado por horas na frente de um computador, videogame, tablet, televisão ou celular. 

O grande problema na leitura desses sintomas, segundo Luciana, é que as pessoas só se dão conta dos efeitos colaterais de seu vício quando a situação avançou para muito além do limite. Ou seja, quando já se está obeso ou ninguém o convida para programas sociais há muito tempo. Também a ansiedade e a depressão podem ser efeitos que sinalizam o quanto a situação já se tornou drástica. 

Outro cuidado importante é que, como se diz no popular, cada caso é um caso. A situação de criar perfis falsos em redes sociais, por exemplo, é, de acordo com Luciana, até vista como saudável por alguns psicólogos, mas essa leitura depende de uma análise específica da situação. “Por outro lado, pode ser a ponta do iceberg de um problema muito maior, ou seja, por que eu tenho que me passar por alguém que eu não sou?”, indaga. Em outras palavras, os sinais descritos aqui servem de alerta, mas necessitam de uma apreciação profissional para que se possa saber em que grau está o vício ou mesmo se ele pode ser classificado como uma dependência. 

Um alerta importante fica para a vulnerabilidade de algumas pessoas frente aos encantamentos do universo digital, pois essas são mais suscetíveis a embarcar no vício. É o caso de pessoas com fobias sociais, pois elas acabam encontrando na web uma forma de ter contato com o outro sem haver um olho no olho, um toque ou mesmo uma convivência mais intensa. Uma pessoa viúva que tem interesse em construir um novo relacionamento também pode ser seduzida pela web e transformar a busca em vício. Porém, mais difícil do que apontar quem é um potencial viciado é afirmar quem não está no alvo, pois a web é vasta e tem seu canto de sereia para todos os públicos. 

A propósito, nem mesmo uma profissional equilibrada e ciente das armadilhas do inconsciente pode facilitar quando o assunto é o vício tecnológico. Luciana e o marido fizeram um pacto de deixarem seus celulares para fora do quarto na hora de irem dormir. Sábia decisão de quem entende bem o quanto um simples aparelho eletrônico pode prejudicar as relações interpessoais, principalmente a conjugal.